Produtos devem chegar ao supermercado mais caros e em menor volume já que clima prejudica cultivo e desempenho do brasileiro
Embora alguns setores da economia já observem um avanço nas vendas em decorrência das temperaturas mais altas, a onda de calor provocada pelo “super-El Niño” neste ano deverá ter mais impactos negativos que positivos para o país e para o bolso da população, alertam especialistas.
Além do maior consumo de energia elétrica e de água, diversos segmentos podem ter queda de produtividade, com custos mais altos.
O superaquecimento vai afetar toda a cadeia produtiva, até chegar ao consumidor, afirma Marta Camila Carneiro, professora de MBA da FGV (Fundação Getulio Vargas).
“Com o aumento da temperatura global, algumas pragas podem ficar mais resistentes, o que vai forçar o sistema agrícola a usar mais fertilizantes, agrotóxicos e investir em outras estratégias de controle, elevando os custos de produção. Esse aumento acaba sendo repassado para o consumidor, piorando o custo de vida”, explica a profissional, que também é especialista em mudanças climáticas e ESG (do inglês Environmental, Social and Governance), área que orienta boas práticas ambientais, sociais e de governança corporativa e investimento.
Ainda em relação ao agronegócio, base da indústria alimentícia, outra questão é a de culturas que não se adaptam ao calor. “O café, por exemplo, é uma planta que precisa de temperaturas mais amenas para a produção ser boa e de qualidade. Com o calor acima da média, vai haver perda e, consequentemente, falta desse produto, o que também faz o preço subir”, avalia.
“Os produtores rurais podem enfrentar um aumento das pragas e do consumo de água, safras com produção reduzida e dificuldades em conseguir financiamentos, tudo por conta do calor excessivo”, afirma João Batista de Oliveira Bolognesi, professor do curso de ciências contábeis da Faculdade Anhanguera.
Esse cenário de prejuízos no agronegócio, segundo o docente, também poderá causar um desequilíbrio na balança comercial, “principalmente no que se refere à safra de grãos”.
Produtividade do brasileiro
Para a professora da FGV, ainda existe o risco de o país produzir menos por causa de uma piora na saúde da população, sobretudo das pessoas que trabalham em lugares abertos. “O tempo mais quente prejudica o sono, o que aumenta o cansaço. Causa mal-estar, dilatação do sistema sanguíneo e queda de pressão, o que leva o trabalhador a fazer mais paradas durante o expediente, principalmente para se hidratar.”
“Com essa onda de calor excessivo, o brasileiro poderá ter também um crescimento de gastos no consumo de remédios, uma vez que as pessoas não se hidratam adequadamente ou podem até sofrer com outros problemas diante desse cenário atípico”, diz Bolognesi.
Além das pausas mais frequentes, que levam a uma queda da produtividade, Marta Camila diz que em ambientes menos refrigerados a concentração dos profissionais também fica prejudicada, porque é mais difícil manter o foco.
“O tempo seco é outro problema, que pode até gerar afastamento de trabalhadores. Por isso, no início do ano, com a onda de calor na Europa e nos países árabes, alguns adotaram uma regra que proibia o trabalho ao ar livre nas horas mais quentes do dia”, conta.
Ela afirma que tudo isso prejudica a economia, num efeito dominó: “Quanto menos o empresário vende, menos ele lucra, e quando o lucro diminui ele demite”. Portanto, além de enfrentar uma possível falta de produtos, que devem ficar ainda mais caros por causa do calorão, o trabalhador pode ter até sua estabilidade no emprego ameaçada. E a professora não descarta a possibilidade de uma nova e grave crise hídrica, como a de 2014.
“O bolso dos brasileiros com certeza será afetado, e a conta de luz deve ser uma das maiores responsáveis, principalmente por conta do maior consumo de energia elétrica”, afirma Bolognesi. Ele diz que esse impacto deverá ser causado pela necessidade do uso de ventilador, ar-condicionado e outros aparelhos eletrônicos ao mesmo tempo, com o objetivo de diminuir a sensação de calor.
Marta explica que este período já é chamado de inferno climático, o que parece combinar com as projeções feitas por ela e pelo colega da Anhanguera.
“A onda de calor não favorece nenhum setor, talvez as fábricas de ventiladores e ares-condicionados consigam melhorar as vendas, assim como os produtores de bebidas e sorvetes. O turismo também pode ser beneficiado, principalmente nas regiões costeiras e serranas, que têm temperaturas mais amenas”, finaliza a professora.
R7