Rompimento da barragem completa quatro anos nesta quarta
Dezesseis pessoas ligadas à mineradora Vale e à consultoria alemã Tüv Süd se tornaram novamente réus e responderão na Justiça Federal por crimes relacionados com a tragédia ocorrida na cidade de Brumadinho (MG) em janeiro de 2019. Em decisão tomada hoje (24), a juíza Raquel Vasconcelos Alves de Lima, da 2ª Vara Criminal Federal, aceitou a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF). Os denunciados são os mesmos que respondiam no processo que tramitava na esfera estadual, invalidado recentemente pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Considerada uma das maiores tragédias ambientais e trabalhistas do Brasil, o rompimento da barragem da Vale completa quatro anos amanhã (25). A estrutura que se rompeu operava respaldada por auditorias da Tüv Süd, que assinou a declaração de estabilidade. No acidente, 270 pessoas morreram, a maioria funcionários em atividade nas estruturas da mineradora. Os corpos de três vítimas ainda estão desaparecidos e são procurados pelo Corpo de Bombeiros.
Entre os denunciados está o então presidente da Vale, Fábio Schvartsman, e mais 10 funcionários da mineradora. Mais cinco denunciados ocupavam cargos na Tüv Süd. Eles vão responder por diversos crimes ambientais e por homicídio doloso qualificado, levando em conta que as vítimas não tiveram possibilidade de defender suas vidas. Caso sejam condenados, apenas para o crime de homicídio, as penas podem variar entre 12 e 30 anos. As duas empresas também foram denunciadas pelos crimes ambientais e podem ser penalizadas com diversas sanções.
Apresentada ontem (23) pelo MPF, a denúncia é basicamente a mesma que havia sido formulada pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e que resultou no processo que tramitava na Justiça mineira desde fevereiro de 2020. No entanto, no mês passado, o STF encerrou uma longa discussão jurídica e concluiu que o caso é de competência federal. A decisão foi tomada em sessão da Segunda Turma: os votos de Nunes Marques, André Mendonça e Gilmar Mendes formaram uma maioria, ficando vencida a posição de Edson Fachin. Assim, os 16 denunciados deixaram de ser réus perante a Justiça estadual.
Esfera federal
Na semana passada, a presidente do STF, ministra Rosa Weber, determinou o início imediato do andamento do processo penal na esfera federal atendendo um pedido dos familiares de uma vítima, que manifestaram temor pela prescrição dos crimes. Dessa forma, a Justiça mineira encaminhou os autos para a Justiça Federal. No entanto, o processo volta praticamente à estaca zero. Os réus terão que ser novamente citados e serão abertos novos prazos para apresentarem suas defesas.
Além disso, o MPMG não pode mais atuar. Ao assumir a responsabilidade do caso, o MPF poderia apresentar uma nova denúncia, mas divulgou um comunicado anunciando a ratificação da denúncia do MPMG. Ela aponta que um conluio entre a Vale e a Tüv Süd resultou na emissão de declarações de condição de estabilidade falsas que tinham como objetivo servir de escudo para que as atividades da mineradora permanecessem sigilosamente arriscadas.
A denúncia ainda pode ser alterada. “Na petição, o MPF destacou que se reserva o direito de aditar a denúncia, a qualquer momento, para, se for o caso, acrescentar ou substituir denunciados ou fatos delituosos”, diz o comunicado divulgado.
Outro lado
Procurada pela Agência Brasil, a Vale encaminhou nota afirmando que sempre pautou suas atividades por premissas de segurança e que segue comprometida com a reparação e compensação dos danos. O advogado David Rechulski, que representa a mineradora, disse que a denúncia foi aceita apenas um dia após sua apresentação pelo MPF com objetivo de evitar a prescrição dos crimes ambientais. “Não causa surpresa que uma denúncia de 477 folhas, capeando mais de 80 volumes, num total de mais de 24 mil páginas, tenha sido recebida em menos de 24 horas”.
Por sua vez, a Tüv Süd informou que não faria comentários. A Agência Brasil também contatou o escritório Bottini e Tamasauskas Advogados, responsável pela defesa de Fábio Schvartsman, mas até o momento não houve retorno.
Justiça estadual
Apenas em setembro de 2021, mais de um ano e meio após a denúncia ter sido aceita, havia sido finalmente aberto prazo para que os réus apresentassem suas defesas na Justiça estadual. Como a denúncia é extensa, a juíza Renata Nascimento Borges havia concedido a eles 90 dias. Ela também havia concordado que os espólios de 36 vítimas atuassem como assistentes da acusação do MPMG.
Mas a tramitação ficou praticamente paralisada desde que passou a ser afetada pela discussão sobre a competência judicial. Em outubro de 2021, os cinco integrantes da sexta turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entenderam, de forma unânime, que o caso não era da alçada da Justiça estadual. Eles consideraram que o julgamento deveria ser federalizado por envolver acusação de declarações falsas prestadas ao órgão federal, descumprimento da Política Nacional de Barragens e por possíveis danos a sítios arqueológicos, que são patrimônios da União.
Habeas corpus
O julgamento no STJ se deu a partir de um habeas corpus apresentado pela defesa de Fábio Schvartsman. A tese de incompetência da Justiça estadual foi aceita mesmo sob discordância do MPF, que se alinhou ao entendimento do MPMG. “Não há descrição de crime federal, não há crime federal, não há bem jurídico da União atingido aqui na denúncia”, disse no julgamento a subprocuradora-geral da República, Luiza Frischeisen.
Por meio de um recurso ao STF, o MPMG chegou a obter uma liminar favorável concedida de forma monocrática pelo ministro Edson Fachin, reestabelecendo a competência estadual. Mas essa decisão acabou sendo revista quando foi apreciada pela Segunda Turma.
Na época da primeira decisão do STJ favorável à federalização, o procurador-geral de Justiça do MPMG, Jarbas Soares Júnior, disse à Agência Brasil que houve uma inversão de papéis. “Não houve um conflito de competência entre os juízos e o MPF não reivindicou a sua atribuição. O advogado do réu é que está dizendo que teria crimes federais”, disse. O MPMG considera que ainda é possível devolver o caso à Justiça estadual, já que apresentou um requerimento, que está pendente de apreciação, para que a discussão seja levada ao plenário do STF, possibilitando a participação de mais ministros na decisão.
Receio
A situação também gerou manifestações dos atingidos. A Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos (Avabrum) organizou alguns protestos lamentando o atraso no processo e também defendendo a manutenção do caso na esfera estadual. Há um receio de que ninguém seja responsabilizado pelo rompimento da barragem.
“O crime aconteceu aqui em terras mineiras e não há motivo para a federalização do processo. Os responsáveis por esse crime odioso querem escolher quem vai julgá-los e isso é inaceitável. Não cabe ao réu escolher o foro de seu julgamento”, diz o texto que foi divulgado pela Avabrum em seu site.
Os atingidos temem que o caso tenha, na Justiça Federal, o mesmo tratamento do processo envolvendo a tragédia em Mariana (MG) ocorrido em novembro de 2015. No episódio, o rompimento de uma barragem da mineradora Samarco deixou 19 mortos, destruiu comunidades e causou impactos socioeconômicos e ambientais em dezenas de municípios da bacia do Rio Doce. Passados sete anos, ninguém foi condenado e apenas sete dos 22 denunciados ainda figuram como réus, mas não respondem mais por homicídio, apenas por crimes ambientais.
AGÊNCIA BRASIL