A crise sanitária da Índia adquiriu mais um infeliz capítulo. O país, que foi o primeiro a registrar 400 mil novos casos de Covid-19 em um único dia, está vendo aumentar o número de casos de uma infecção rara e perigosa chamada de mucormicose ou também de “fungo negro” entre pacientes em recuperação e recuperados de coronavírus.

A doença, que tem uma taxa de mortalidade geral de 50%, tem atingido principalmente pacientes diabéticos de meia-idade. A maioria deles foi infectada pelo fungo nas duas semanas após se recuperarem da Covid-19.

Dos 40 pacientes atendidos pelo cirurgião ocular Akshay Nair, 11 tiveram um olho removido cirurgicamente. Já no Hospital Sion de Mumbai, que registrou 24 casos nos últimos dois meses, 11 pacientes removeram um olho enquanto outros seis morreram.


A remoção do olho (em alguns casos de ambos os olhos e de parte do osso da mandíbula) é preventiva para impedir que a infecção chegue ao cérebro. Porém, isso ocorre porque os pacientes buscam tratamento tardiamente, quando já estão perdendo a visão.

No entanto, o único tratamento eficaz contra a doença também é inacessível para muitos indianos. Trata-se de uma injeção antifúngica que deve ser administrada diariamente por até 8 semanas. A dose do medicamento custa 3,5 mil rúpias (R$ 250), o que pode totalizar até US$ 14 mil durante o período de tratamento.

O que é mucormicose?

A mucormicose é uma doença que afeta os seios da face, o cérebro e os pulmões. Ela é provocada pela exposição a diversos organismos fúngicos na ordem Mucorales, como aqueles nos gêneros RhizopusRhizomucor e Mucor, de acordo com o Manual MSD.

É um tipo de mofo observado em material orgânico em decomposição no solo. Embora esse fungo seja encontrado também entre pessoas saudáveis, ele pode provocar a morte em pacientes diabéticos ou imunocomprometidos – como pessoas com câncer ou HIV positivo.

Os sintomas da doença incluem nariz entupido e sangramento, inchaço e dos nos olhos, pálpebras caídas, visão turva e perda da visão. Também pode haver manchas pretas ao redor do nariz.

Acredita-se que a resposta para o aumento nas infecções esteja nos esteroides usados para o tratamento de COVID-19. Eles servem para reduzir a inflamação nos pulmões e eventuais danos ao sistema imunológico, porém reduzem a imunidade e aumentam os níveis de açúcar no sangue nos pacientes.

“O diabetes diminui as defesas imunológicas do corpo, o coronavírus o agrava e, em seguida, os esteroides que ajudam a combater a covid-19 agem como se estivéssemos jogando gasolina no fogo”, explicou Akshay Nair à BBC.

Para Rahul Baxi, diabetologista de Mumbai, é necessário garantir que os pacientes recebam a dose correta de esteroide durante o período adequado, além de que os médicos devem controlar os “níveis de açúcar no sangue após a alta dos pacientes”. Ela contou à BBC que dos cerca dos 800 pacientes diabéticos com coronavírus que tratou no ano passado nenhum contraiu a doença.

Surto de casos do “fungo negro”

De acordo com Renuka Bradoo, chefe do departamento de otorrinolaringologia do Hospital Sion de Mumbai, durante a segunda onda do novo coronavírus têm sido relatados de dois a três casos da infecção pelo fungo por semana. Normalmente, são registrados seis casos por ano.

Um cenário parecido pôde ser observado na cidade de Bengaluru, ao sul. A cirurgiã oftalmologista Raghuraj Hegde contou ter visto 19 casos de mucormicose nas últimas duas semanas, a maioria deles em pacientes jovens. “Alguns estavam tão doentes que não podíamos nem mesmo operá-los”, relatou à agência.

Porém, um funcionário do alto escalão do governo indiano, ouvido pela BBC, afirmou que “não há grande surto” de mucormicose no país. No entanto, assim como autoridades ressaltaram a subnotificação do número de casos de coronavírus no país, pode ocorrer o mesmo com a mucormicose.

BBC BRASIL